Primum non nocere

Hipócrates, ao redor do ano 430 aC, propôs aos médicos, no parágrafo 12 do primeiro livro da sua obra Epidemia:
"Pratique duas coisas ao lidar com as doenças; auxilie ou não prejudique o paciente" - ou seja, primum non nocere - primeiro de tudo, não provoque nenhum dano.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Anvisa, homeopatia e dengue

FOLHA, 17/05/2007


CELIO LEVYMAN



A homeopatia lembra mais uma religião, com dogmas e metafísica, que um método baseado na ciência para melhorar a saúde


COM SAÚDE não se brinca. A ética dos profissionais da saúde obriga a fazer o bem ao paciente, e não a fazer o mal ou a utilizar métodos não comprovados de diagnóstico e tratamento.

Há algum tempo, a Secretaria de Saúde de São José do Rio Preto (SP) passou a distribuir medicamento homeopático para dengue sem prescrição médica. A secretaria estadual da área interferiu, proibindo essa prática, por serem desconhecidos os princípios científicos que embasam a citada medicação e por nem se saber como ela foi fabricada. A prefeitura recorreu à Justiça, que ordenou a dispensação do remédio -porém, com receita médica.

A Folha noticiou há pouco que, em reunião conjunta da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e das secretarias de Saúde, chegou-se a um acordo para o uso do dito remédio -porém, com prescrição médica.

Há um sério problema envolvido nessa questão, e é justamente a homeopatia. Ela é praticada em vários lugares do mundo, mas, via de regra, por quem nada tem a ver com a área da saúde, embora alguns médicos se tornem seus adeptos.

No Brasil, em 1980, cerca de 300 médicos exerciam a homeopatia. Eles convenceram o Conselho Federal de Medicina a torná-la especialidade médica. Paradoxo: o Brasil é o único país do mundo em que a homeopatia desfruta de tal privilégio, ficando lado a lado com as demais especialidades.

No Canadá, não há homeopatas desde 1950. Tampouco os há na maioria dos países europeus. Nos EUA, um poderoso lobby de farmácias conseguiu que o Congresso, contra as evidências científicas, aprovasse tais medicamentos como "suplemento vitamínico", dispensados portanto da receita médica.

Embora legalmente eu seja obrigado a aceitar a homeopatia como especialidade, discordo de que ela desfrute do mesmo status das demais especialidades e, como outros colegas do país, mais ilustres, desejo que seja revista aquela resolução de 1980.

E por quê? A homeopatia não tem sustentação científica nos dias de hoje. É praticada da mesma maneira há muitos anos. Não há provas de sua eficiência, a não ser em casos isolados de doenças simples. E, mais importante, os homeopatas não aceitam comparar seus métodos com aqueles da medicina tradicional nem fazem estudos cientificamente validados, como em qualquer área da ciência.

Em outras palavras, a homeopatia lembra muito mais uma religião, com dogmas e interpretação metafísica, que um método baseado na ciência para melhorar a saúde da população.

Minha posição é conhecida por muitos e certamente angariei adversários com o passar do tempo graças a isso. Mas nada me impede de solicitar aos conselhos de medicina e às autoridades sanitárias que revisem suas posições.

Depois de 1980, o número de homeopatas aumentou para milhares, assim como as farmácias especializadas nessa área. Por outro lado, quantos homeopatas ou ambulatórios dessa área ou seus medicamentos existem em nosso combalido SUS? A conclusão lógica é que a maioria dos que exercem a homeopatia atendem preferencialmente pacientes particulares ou planos de saúde que a contemplem. Seria reducionismo deixar essa questão como particularmente de ordem econômica?

O caso de São José do Rio Preto não poderia ser mais ilustrativo, pois qualquer um que achasse que fosse portador da doença ou mesmo quisesse se prevenir dela poderia buscar o citado medicamento sem avaliação médica!

Houve esse acordo -a bioética é uma área mais recente que dá um importante poder à autonomia do paciente: a ele cabe decidir como lidar com sua saúde e suas moléstias.

Contudo, isso não exime as autoridades sanitárias, como a Anvisa e as secretarias de Saúde, assim como os conselhos de medicina, do dever ético de agir com rigor na avaliação de seus atos, em benefício da saúde individual e coletiva. E de exigir os imprescindíveis dados científicos, aceitos em todo o mundo, que comprovem a eficácia do método.

Como recente editorial de uma das mais importantes revistas médicas de todo o mundo -"The New England Journal of Medicine"- afirmou: não pode haver duas medicinas, a tradicional e a "alternativa". Um método qualquer, por mais esdrúxulo que pareça à princípio, desde que comprovado com o método científico, passa a fazer parte de uma coisa apenas: medicina.


CELIO LEVYMAN , 50, mestre em neurologia clínica pela Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), é médico. Foi conselheiro e diretor do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo).

Comparação randomizada de estratégias para reduzir o tratamento da asma leve persistente

The American Lung Association Asthma Clinical Research Centers. Randomized Comparison of Strategies for Reducing Treatment in Mild Persistent Asthma. NEJM. May 17, 2007; 356(20):2027-2039.

Conhecimento prévio ao estudo: Os guidelines para tratamento da asma recomendam o uso de corticosteróides inalados em pacientes com asma sintomática persistente e a redução paulatina do tratamento para o mínimo necessário para manter o controle da asma. Duas hipóteses ainda não testadas para essa redução do tratamento, em pacientes com asma bem controlada com o uso de corticosteróides inalados 2x ao dia, são o montelucaste 1x ao dia ou propionato de fluticasona mais salmeterol 1x ao dia.

Estudo: Estudo prospectivo, randomizado, duplo cego, controlado, com grupos paralelos com a duração de 16 semanas, envolvendo 500 pacientes com asma, os quais estavam bem controlados com fluticasona inalada (100microg 2x ao dia). Formaram-se randomicamente 3 grupos: a) fluticasona contínua (100microg 2x ao dia) (169 pacientes); b) substituição pelo montelucaste (5 ou 10mg à noite) (166 pacientes) ou c) substituição pela fluticasona (100microg) mais salmeterol (50microg) à noite (165 pacientes).

Aproximadamente 20% dos pacientes dos grupos que receberam fluticasona continuada ou que substituíram para fluticasona mais salmeterol tiveram falha do tratamento, comparado com 30,3% dos pacientes que substituíram para montelucaste. A razão de chances para ambas as comparações foi de 1,6 (P = 0,03). A percentagem de dias nos quais os pacientes permaneceram livres dos sintomas da asma foi similar entre os três grupos (78,7% a 85,8%).

Conhecimento adquirido com o estudo: Pacientes com asma que estão bem controlados com o uso de fluticasona inalada 2x ao dia podem substituir o tratamento para o combinado fluticasona mais salmeterol 1x ao dia sem aumentar as taxas de falha de tratamento. A substituição apenas pelo montelucaste resulta em aumento da taxa de falha de tratamento e redução do controle da asma.

Comentário: Estudo prospectivo, randomizado, duplo cego, controlado, com grupos paralelos, com uma amostra populacional expressiva e de excelente qualidade técnica. Excelente aplicabilidade clínica.

Os autores são membros dos American Lung Association Asthma Clinical Research Centers. Autor responsável: Dr. Holbrook – jholbroo@jhsph.edu.

domingo, 13 de maio de 2007

iPods causa mau funcionamento de marca-passo

Thaker J, Jongnaransin K et al. iPods cause pacemaker malfunction. Heart Rhythm Society Annual Scientific Sessions. 9-12 May 2007; Denver, Colorado, USA.

Conhecimento prévio ao estudo: Estudos observacionais têm mostrado que uma série de novos dispositivos, incluindo telefones celulares, podem provocar mal funcionamento de marca-passos. Cresce no mundo todo o uso de tocadores de mp3, como o iPod da Apple, os quais poderiam inadvertidamente entrar em contato próximo com pacientes com marca-passos.

Estudo: Estudo de uma coorte de 83 pacientes com marca-passos de câmara única ou dupla que foram testados com iPods, aproximando os aparelhos em até 5 cm do tórax por 5 a 10 segundos.

Disfunção dos marca-passos, definida como eventos percebidos como associados com inibição atrial/ventricular, trocas de modos ou altas freqüências atrial/ventricular, ocorreu em 20% dos pacientes. Por outro lado, interferência de telemetria, definida como outra interferência não afetando o marca-passo, foi vista em 29% dos pacientes. Inibição do marca-passo, falha do marca-passo quando necessária sua participação, ocorreu em 1,2% dos pacientes. Em alguns casos a interferência foi detectada mesmo quando iPods foram mantidos tão longe quanto 41 cm do tórax.

Conhecimento adquirido com o estudo: Algum grau de interferência pode ser detectada em até 50% dos pacientes com marca-passos quando da aproximação de tocadores de mp3, incluindo iPods da Apple.

Comentário: Estudo de coorte com pacientes portadores de marca-passo, obviamente sem controles, de boa qualidade técnica. Boa aplicabilidade clínica.

Os autores principais são membros da University of Michigan in Ann Arbor, Michigan, USA.